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Resenha: "Sociedade do Cansaço", de Byung-Chul Han

  • Foto do escritor: Instituto Emancipar
    Instituto Emancipar
  • 17 de fev.
  • 4 min de leitura

Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, traz em "Sociedade do Cansaço" uma análise contundente sobre os desafios e as patologias da contemporaneidade. Com uma linguagem acessível e reflexiva, o autor revela como as dinâmicas do capitalismo neoliberal moldam nossos corpos e mentes, criando uma sociedade exausta, saturada de produtividade e auto cobrança.

Logo no início do livro, Han propõe uma ruptura com os diagnósticos clássicos da sociedade disciplinar de Michel Foucault. Para ele, vivemos atualmente em uma "sociedade do desempenho", onde o sujeito disciplinado dá lugar ao "sujeito de desempenho", constantemente pressionado a maximizar resultados e superar limites. "O sujeito de desempenho é, ao mesmo tempo, carrasco e vítima" (Han, 2015, p. 24), afirma o autor, destacando a auto coerção como característica principal dessa nova configuração.

A Transição da Negatividade para a Positividade

Han argumenta que a sociedade contemporânea se move de um paradigma de negatividade, marcado por proibições e imposições externas, para um de positividade, onde o excesso de liberdade e possibilidades se torna opressivo. "O homem contemporâneo não é mais o sujeito submisso da obediência, mas o sujeito livre da performance" (Han, 2015, p. 15). Esse novo modelo, em que o "Sim, nós podemos!" substitui o "Não, você não pode!", leva ao esgotamento psíquico e físico. As patologias da nossa era, como depressão, burnout e transtornos de ansiedade, são frutos dessa incessante busca pelo desempenho máximo. Han observa que "o excesso de positividade manifesta-se como um excesso de estímulos, informações e impulsos, que acaba desorientando e paralisando o indivíduo" (Han, 2015, p. 35).

A Violência do Positivo

Uma das contribuições mais impactantes de Han é sua análise sobre a "violência do positivo". "A violência do positivo não reprime, mas desgasta. Não proíbe, mas satura" (Han, 2015, p. 41). Diferentemente da violência explícita, associada à repressão e à disciplina, a violência do positivo opera de maneira mais insidiosa, minando a saúde mental através da sobrecarga. Em vez de serem coagidos por forças externas, os indivíduos se auto exploram, acreditando que o sucesso e a felicidade dependem exclusivamente de seus esforços. Essa internalização da cobrança gera não apenas exaustão, mas também isolamento, já que cada um se torna responsável pelo seu próprio fracasso ou sucesso.

A Performance como Novo Dogma

Em "Sociedade do Cansaço", Han demonstra como a lógica do desempenho se infiltra em todos os aspectos da vida: trabalho, lazer, relações pessoais e até mesmo o autocuidado. "Vivemos em uma sociedade onde o sujeito é transformado em um empresário de si mesmo" (Han, 2015, p. 52). Aplicativos de produtividade, métricas de desempenho e o culto ao empreendedorismo são apenas alguns exemplos de como a desempenho se torna o novo dogma. Essa obsessão por eficiência transforma o indivíduo em um "projeto infinito de si mesmo", incapaz de encontrar satisfação ou repouso. Han adverte: "A sociedade do desempenho é mais eficiente que a sociedade disciplinar, pois explora a liberdade em vez de reprimi-la" (Han, 2015, p. 50).

O Esgotamento como Sintoma

O cansaço, para Han, é o grande sintoma dessa sociedade, mas não qualquer cansaço. Ele distingue entre o "cansaço profundo", associado ao pensamento e à contemplação, e o "cansaço destrutivo", fruto da hiperatividade e da aceleração constante. "O cansaço destrutivo não permite ao indivíduo repousar em si. Ele o força a continuar em movimento" (Han, 2015, p. 65). Enquanto o primeiro é regenerador e nos conecta com a essência do ser, o segundo esvazia nossas energias e nos desconecta de nós mesmos.

Esse cansaço destrutivo é amplamente visível na cultura do trabalho contemporânea, onde o tempo de descanso é cada vez mais visto como improdutivo. Até mesmo o ócio é transformado em uma atividade performativa, como em práticas de mindfulness voltadas para aumentar a produtividade ou em atividades de lazer que devem gerar lucro ou reconhecimento social.

Enfim…

"Sociedade do Cansaço" é mais do que um livro; é um convite à reflexão sobre o modo como vivemos e nos relacionamos com o mundo. Han nos desafia a repensar a ideia de liberdade, que, paradoxalmente, se transforma em prisão na sociedade do desempenho. "A verdadeira liberdade não é a maximização da capacidade de fazer, mas o poder de se abster" (Han, 2015, p. 81). Sua crítica ao neoliberalismo e ao culto ao desempenho ressoa em um mundo onde a saúde mental se torna um tema central e urgente.

Em tempos de aceleração e produtividade desenfreada, a obra de Byung-Chul Han é um alento para aqueles que buscam compreender as raízes do cansaço que permeia nossa existência. Ela nos lembra que o verdadeiro descanso e a contemplação não são luxos, mas necessidades para uma vida plena e significativa.

Por que Ler "Sociedade do Cansaço"?

A leitura de "Sociedade do Cansaço" é imprescindível para quem deseja entender as nuances do mal-estar contemporâneo e as armadilhas de uma cultura orientada pela lógica do desempenho. Han oferece uma análise profunda e provocadora, capaz de iluminar os dilemas da modernidade e nos instigar a buscar alternativas mais humanas e sustentáveis para viver.

Se você sente que a exaustão tornou-se um estado constante ou que a vida é uma corrida sem fim, este livro pode ser o ponto de partida para uma mudança de perspectiva. Afinal, como o próprio autor sugere, é preciso aprender a "ser" em vez de apenas "fazer".


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